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O CORPO

A dança sempre esteve muito presente na minha vida e eu não sei o que seria dela se eu não dançasse. Minha mãe foi morta a tiros perto da minha antiga casa quando eu ainda tinha 10 anos. Depois meu pai se juntou de fato com a minha madrasta porque eles estavam juntos antes mesmo da minha mãe e a gente saiu de perto da beira do canal, onde morávamos, pra cá depois da indenização da prefeitura. A partir daí, minha convivência com o meu com meu pai e minha madrasta não é a das melhores. Aqui é cada um no seu quadrado e só falamos o necessário mesmo. Painho é homem e muitas vezes não me entende porque sou mulher… a personalidade dele é forte e a minha também. Aí já viu né? Meu maior contato é com minha irmã que também mora com a gente. É muito melhor tá pela rua do que em casa porque isso evita muito estresse. Passo a maior parte do tempo fora e o brega, graças a Deus, contribui muito pra isso. Quando não estou com meus amigos, estou fazendo show.


Eu estudei sempre numa escola da Prefeitura do Recife em Água Fria, mas mudei de escola com o decorrer do tempo. Parei de estudar no primeiro ano porque naquele tempo eu era casada. Eu me casei aos 18 anos e fui morar no UR-04, no Ibura, com um rapaz com quem passei 2 anos. Tive que sair da escola que eu estava matriculada. Peguei os documentos para transferência, mas acabou que não rolou nem lá nem aqui e fiquei sem estudar até hoje. No outro ano,  tive que correr de novo atrás da documentação pra tentar fazer nova matrícula, mas perdi o prazo e já era tarde demais porque não tinha mais vagas. Eu já cheguei a começar o Educação de Jovens e Adultos (EJA) em uma escola aqui próximo, mas confesso que sou uma pessoa bem desinteressada pelos estudos.


Ainda bem que a dança existe porque eu se não eu tava lascada. Sempre aparece um MC que me contrata e com isso dá pra me sustentar. Eu não tenho filhos e sou nova ainda, consigo me virar com apenas com o que eu ganho com a dançar. E é uma coisa que eu gosto de trabalhar. Se depender de mim, vou dançar a vida toda porque é a única coisa que  tenho dom pra fazer. Espero que eu consiga me virar por aqui, com isso porque eu só sei fazer duas coisas: dançar e vender, mas ser vendedora não é um trabalho muito legal. É bem suado.


As vezes imagino que se nada disso desse certo na minha vida eu ia começar a procurar emprego mesmo. Teria que acabar de todo jeito os estudos pra ter a ficha 19,  ia fazer uns currículos e sair entregando por aí. Já fiz isso outra vez e faria de novo sem problema porque parada não dá pra ficar não. Nunca fui acomodada neste sentido. Quando adolescente eu cuidava de crianças ou fazia panfletagem pra ganhar alguma coisa. Teve uma época que eu tive uma desavença no grupo de MC Menor quando eu dançava pra ele junto com Dani Costa, que hoje é uma das dançarinas de MC Tróia, e saímos da banda. Foi neste período longe dos palcos que eu consegui meu o único emprego de carteira assinada. Passei a ser vendedora de roupas na loja Patricinha Modas Fashion, em Casa Amarela, na Zona Norte do Recife. Consegui porque não era um trabalho difícil, mas considero um trabalho meio escravo. Trabalhava muito, mas reconheço que as vendas me ajudaram na experiência.


Ainda bem que voltei pra dançar e que aqui em casa o pessoal me apoio. Meu pai mesmo, graças a Deus, nunca reclamou até porque ele sabe que o que eu faço é uma coisa que me dá dinheiro. Eu não preciso tá pedindo nada a ele, tenho meu próprio dinheiro e consigo isso através da dança. Ele tem consciência e acho que é por isso que ele é de boa. Eu posso sair, chegar de manhã que ele nao fala nada. Ele até gosta, fica botando os vídeos que eu apareço por aqui e se amostrando com os vizinhos. Quando eu saio na TV fica gritando por aí, me chamando de gostosa de painho. É uma resenha. Pena que minha mãe não chegou a me ver dançar. Não sei nem o que ela acharia disso, mas como ela também era tranquilo, acho que ela iria se orgulhar também. Isso é se ela não tiver dessa maneira agora onde ela estiver.  

O Corpo: Inner_about
Vanessa Santos

Vanessa Santos

O Corpo: Video_Widget

O começo

Quando eu tinha meus 14 anos, eu dançava dança contemporânea. Já dancei Afro, Afoxé…. essas coisas de escolinha de dança. Era tudo gratuito e voluntário. Sempre fui comunicativa pra participar das atividades da comunidade e foi aí que descobri o que eu gosto de fazer. O primeiro grupo que participei e que posso dizer que aprendi a dançar mesmo com alongamento e outros babados foi o Pé no Chão, do Arruda. Eles ensinam dança afro e contemporânea. Lembro que a gente saía por aí, fazendo viagens pra dançar. Nas comunidades é comum ter grupos nesse estilo: tudo gratuito. Pra quem tem interesse, é só ir, entrar e participar. É um grupo do Arruda. Aqui perto de casa mesmo, em Peixinhos, tem a Império Swing, que é iniciativa dos meu amigos.


Foram nessas escolinhas de bairro mesmo que eu me desenvolvi. Viajava e tudo, mas eu só passei a ganhar dinheiro mesmo quando eu passei a dançar no brega-funk. Aos 18 anos, recebi o convite pra entrar na banda de Tocha e Dadá. Na época, quem me indicou com Dani Costa. Nos conhecemos dançando swingueira e, naquela época, o coreógrafo da dupla perguntou a ela se ela conhecia alguém e eu entrei. Depois que os dois se separara eu fiquei apenas com Tocha e, com o passar do tempo, entrei em outros grupos também até chegar em Menor, que pra mim é o mais certo de todos.


Poucas dançarinas desse meio ainda recebem por show como eu e Anna, que é minha companheira de dança no grupo. O pessoal agora inventou, porque eles não são bestas, de assalariar as bailarinas. Pra banda pagar um valor fixo em vez de pagar por show sai muito mais barato. A gente ganha R$ 50 reais por show. Caso a gente faça quatro em um dia, levamos R$ 200. Se tivermos em uma semana massa dá pra ganhar até R$ 1.000 apenas em um final de semana e o bom é que a gente recebe o dinheiro no momento do show. Já chego em casa na manhã do outro dia com a grana certa. E o pessoal se deu conta disso porque querendo ou não eles perdem de alguma forma. Se a gente fizer muito show a gente ganha um malote de dinheiro, entendesse?


Mas, o que os empresários e produtores estão fazendo: assalariando as dançarinas, o que é  provável que daqui a algum tempo aconteça comigo também. Mas eu não concordo muito. Acho mais justo a gente receber por show mesmo porque se naquele mês os shows estiverem bombando, a gente vai sair na desvantagem já que vamos receber um valor fixo, enquanto por cachê nós receberíamos muito. Acho que eles devem pagar, quando passar a assalariar a pessoa, uns R$ 1.000, mas deve variar muito de MC pra MC.


No entanto, essas condições a gente aceita se quiser. Eu mesma não sou burra. Se eles fecharem um valor fixo por mês ou quinzena, como a maioria tá fazendo agora, eu vou avaliar se compensa. Se não compensar, eu fico recebendo por show mesmo.


Assédio

Em nenhum momento eu me senti incomodada por causa de homem nos shows. De fato, tem uns caras que são descarados que chegam pra filmar as partes íntimas da gente durante a apresentação, mas isso nunca foi problema pra mim e acredito que as que se dizem incomodadas se fazem de doidas porque senão, não estaria jogando a bunda na cara do homem. As vezes você ver que o cara tá querendo se chegar demais, que tá um pouco alterado, mas tem os seguranças da banda que ficam de olho neles pra evitar o toque nas regiões íntimas.


Já teve caso de alguns meterem a mão mesmo. tem umas que se incomodam, outras, como eu, não. Fatos como este que eu já presenciei percebi que as meninas não se incomodaram. Claro que de vez em quando rola aquele comentário do tipo: tu viu aquele cara lá, me filmando”, mas não achou ruim. Elas não se sentem mal por causa daquilo. Até porque a gente vive no meio do brega e sabe que a galera é assim mesmo. Eu já tô acostumada.


Eu apenas procuro não ficar olhando porque se fizer isso vai dar a entender que eu tô gostando. Continuo dançando lindamente, mas olhando pra cima e, se for possivel, não rebolar tanto como eu tava momentos anteriores já pra tentar evitar.Se eu ver que ele tá com muita saliência pro meu lado chamo os segurança e digo logo.


O Padrão

Ainda bem que eu tenho um corpo legale uma genética muito boa, que não tem tendência pra engordar porque eu tenho preguiça de malhar. Eu fico cansada e digo pra mim mesma “vou a noite”, mas quando chega o horário, parece que a preguiça aumenta e eu termino não indo. Pra ser sincera, eu nem malhando mais eu tô. Tenho uma parceria na Cia do Corpo, perto de casa, mas nunca mais eu fui. Inclusive, tenho até que voltar a ir pra não correr o risco de perder, né?  Eu malho de graça lá e em troca divulgo a loja nas minhas redes sociais.


Eu não preciso malhar pra ter o corpo que eu tenho, por isso não tenho essa preocupação com a academia, mas se eu não tivesse tendência pra emagrecer eu ia ter que correr atrás porque dançarina tem que ter um corpinho apresentável pra tá no palco. O pessoal não aceita muito não. Se você não tiver um corpo legal, você não dança. Tem até meninas que são lindas e que se garantem na dança, mas são bem chochinhas e o pessoal não colocam. Infelizmente existe este padrão.


O(s) sonho(s)

Eu tô em uma fase que, pra ser sincera, tô sem objetivo. Nãoo to procurando fazer uma conta pra investir o dinheiro que eu ganho, saio gastando tudo mesmo. Dia de semana vou pra praia e sigo assim me divertindo. No entanto, tenho consciência de que não tô fazendo nada com o meu dinheiro e o tempo vai passando. Se eu parar de dançar eu não vou ter uma renda. Mas estou esperando um momento bom da banda pra ver se a gente ganha um dinheiro legal porque também não estamos fazendo shows com aquelas coisas todas. Tamo um pouquinho devagar e ando vivendo assim. Até porque quando entrei no brega, eu só queria e sempre quis ter só um trocado com aquilo que eu amo fazer. Ter com o que me sustentar pra não ficar pedindo nada a ninguém. Sempre quis só ter o meu e eu sabia que a dança dava dinheiro.


Mas admito que tem muita coisa que eu quero ter e não tenho ainda porque não tenho uam condição financeira maior. Ajeitar meus dentes é uma delas. Eu ainda não tenho nenhuma parceria com dentista e é uma coisa que custa um pouco caro pro valor que eu recebo. Não que eu esteja reclamando. O valor que eu recebo dá pra me sustentar, mas não fazer tudo que eu queria fazer e sinto falta de recursos meus e também de planejamento pra poder juntar um dinheiro em uma conta pra dizer “opa, já tenho este valor, vou comprar um iPhone pra mim”... essas besteiras que só se resolvem com dinheiro.


Independente de qualquer coisa, me sinto realizada. O sonho que eu tinha de ser dançarina tô vivendo neste momento da minha vida. Conheci as pessoas que eu não conhecia e, pra alguns pode parecer besteira, mas os MCs daqui são pessoas que tem talento e que tive prazer de estar perto, de conviver diariamente, sair pra altos cantos e agradeço ao brega-funk por mudar minha vida.

O Corpo: Inner_about
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