DIA DE BAILE
As dificuldades na ida ao baile
Sexta-feira. Feriado de finados. O dia não estava favorável. “Mas, calma! É dia de produzir e trabalhar com o que gosto: o brega-funk’’, pensei. A tarefa principal era: experienciar o show do MC Tocha, observando e registrando todos os detalhes possíveis, principalmente, em relação às bailarinas da banda. Já era noite quando comecei a importunar Pedro por Whatsapp com as minhas inquietações: “Amigo, tu vai com que roupa?”, “Não sei se vou ‘rolezeira’ ou estilo jornalista”. Eu estava bastante preocupada com a imagem que poderia passar ao pessoal, não sei bem dizer porquê. Mas, enquanto eu provava quase todas as peças do meu guarda-roupa, a hora disparava no relógio. Até que olhei no meu celular, enquanto carregava: 20h30. Então, mesmo não estando confortável, fui com a roupa que estava vestida. Não havia mais tempo de pensar no melhor look para a noite. Combinei com Pedro de encontrá-lo às 21h na praça do Derby e odeio falhar nos compromissos. Acelerei meu ritmo. Indo em direção ao portão de casa, percebi que meu irmão estava prestes a dar partida com a moto. “Ei, ei... Me leva ali na parada”. Nem tempo deu de responder. Já segurando nos ombros dele, subi na moto. Uma mão segurando na barriga dele e a outra organizando os últimos detalhes da roupa e do cabelo. Chegando na parada, desci da moto e avistei um ônibus se aproximando. Agradeci a carona e caminhei depressa para a catraca. Embarquei no ônibus a tempo.
Trânsito livre. Cheguei no Derby bem antes de Pedro (que atrasou como de costume). No ponto de espera, eu já estava agoniada de tão ansiosa. Da parada do BRT do Derby, olhava a todo tempo para os dois possíveis pontos de ônibus em que Pedro poderia desembarcar. Até que, depois de uns 20 minutos, “ufa, ele chegou!” Um abraço em cumprimentação. “Pera...” Não entendi a mochila nas costas dele e questionei o motivo. “Por causa da câmera, né”, Pedro respondeu. Em seguida, falamos sobre os possíveis rumos a tomar para chegar ao local do show. O Lounge Music fica em Piedade, Jaboatão dos Guararapes, meio distante para ir de Uber. Queríamos gastar o mínimo possível de dinheiro. Por sugestão de Pedro, pegaríamos o PE- 15 / Boa Viagem, desceríamos na Praça de Boa Viagem e, aí sim, pediríamos o Uber para a casa de festa. Então, caminhamos até parada de ônibus, onde ficamos mais ou menos meia-hora esperando. Passaram várias linhas e nada do PE-15. Resolvemos pegar qualquer ônibus para o Terminal Integrado de Joana Bezerra e, de lá, pegar o Joana Bezerra - Boa Viagem. Feito isso, chegamos e ficamos na fila de embarque, que por sinal estava vazia quando chegamos. Esperamos. Conversa vai e vem. Enquanto isso, Pedro mantinha o produtor do MC Tocha Diego informado a respeito do nosso percurso. Por trás da gente, externamente ao Terminal integrado, havia um trio tocando músicas “bregosas”. De longe, eu só conseguia enxergar um cantor. Enquanto isso, a gente esperava. Depois de mais 30 minutos, o ônibus finalmente chegou e, a partir daí, tudo aconteceu como planejado. Descemos na praça de Boa Viagem e pedimos um Uber.
A prática do exercício: observação e produção
Chegamos no local pouco mais de 22h30. Havia uma fila de pessoas para entrar na casa de festas. As “cocotas” eram maioria: o padrão era vestido ou short curto e colado, salto e cabelo solto. Os “playboys” de calça jeans e camisa meio apertada. “Estamos na zona sul, né”, pensei comigo mesma. Mas, catei e também consegui detectar pessoas mais despojadas: blusa decotada, shortinho, tênis ou rasteira. Todos e todas ali, reunidos, para curtir o Baile dos Playzickas: edição Dominando a América, com a presença de MCs como Tocha, Cego e Menor. Naquele momento, comecei a pensar nos pontos que reuniam aquele povo todo no mesmo lugar. Em nada tinha a ver com poder aquisitivo. As pessoas estavam ali porque gostam do mesmo estilo de música e dança, porque queriam se divertir e curtir a noite. “O brega-funk é o ponto de fusão dessa galera”, pensei. Enquanto eu viajava na observação: Pedro já estava conversando com uma conhecida na fila. Quando me dei conta, aproximei e fiquei aguardando. Após encerrar o assunto, imediatamente, Pedro cuidou de iniciar as filmagens. Só depois, ligou novamente para Diego, desta vez, dizendo que tínhamos chegado ao local. O produtor estava na esquina do Lounge Music. Caminhamos até lá. Foi solicito, apertou nossas mãos e pediu para que seguíssemos ele. Entramos pela lateral do clube, por onde entram os artistas. Nesse momento me senti toda importante. O salão estava meio vazio, mas percebi de imediato um ambiente predominantemente heteronormativo. Haviam vários grupos de amigos e casais de namorados. Continuamos a seguir Diego. Depois do bar, passamos por uma porta dupla de madeira que, se eu não segurasse para fechar, a “porrada” iria ser grande em quem vinha atrás de mim. Subimos alguns degraus de escada e nos deparamos com três portas. Em cada uma, respectivamente, havia escrito: Camarote ouro; Camarote prata e Camarote bronze. Tocha e a equipe estavam no prata.
Dentro do espaço, mal dava para reconhecer o rosto das pessoas. Um jogo de luz frenético agoniava os olhos, mas ignorei e fui ao que interessava: observar o ambiente, a movimentação, o comportamento das pessoas. No Camarote prata, além de eu e Pedro, havia aproximadamente trinta pessoas da equipe do MC Tocha (incluindo o cantor, os produtores, o pessoal da produção, os seguranças, o coreógrafo, o DJ e as dançarinas). Ao entrar, Diego nos dirigiu a algumas pessoas para nos apresentar e explicar o motivo de nossa presença ali, inclusive ao próprio Tocha. Aparentou ser um cara bem tranquilo, reservado, mas divertido. Como sempre, estiloso: vestia uma camisa preta sob um colete de manga estampado, calça jeans meio rasgada, sapato preto, corrente no pescoço, óculos, chapéu e relógio. Sorrisos, apertos de mãos. Warley Santos, o coreógrafo da banda, também nos foi apresentado. Aproveitamos para falar do nosso objetivo e perguntar se as bailarinas eram tranquilas em relação a filmagens. Então, ele incluiu as meninas na conversa e, enfim, tivemos um ok para iniciar a produção de imagens.
O ambiente lembrava uma sala. Ao fazer uma observação no meio dela, podia-se perceber: de frente, uma varanda com vista para o salão e ao mesmo tempo para o palco (a maioria da equipe ocupava esse espaço bebendo e conversando. A maioria trajava camisa preta de manga com o nome Tocha na frente, em vermelho). Antes da varanda, ao meu lado esquerdo, havia um banco onde as bailarinas estavam sentadas conversando com o coreógrafo. Mais atrás, no mesmo lado, havia duas mesas altas arredondadas, dessas que a gente ver em bares. Ainda mais atrás, havia um espelho que começava no canto da parede até a porta de entrada e saída do camarote. Só para constar, à minha direita só tinha mesmo a parede. Enquanto eu “bestava” reparando os detalhes, Pedro comentava algo comigo, mas eu só ouvi o final: “ah, amiga… eles não têm camarim, eles usam os camarotes do local para acolher o pessoal”. Então, entendi do que ele estava falando. No geral, notei que a nossa presença deixou as pessoas curiosas, talvez, até mais desinibidas. Não sei bem o que estavam pensando a respeito da gente, mas juro que passei a noite toda querendo saber.
Em seguida, começamos a nos preparar para iniciar as filmagens dos artistas. Pedro pegou a câmera para testar, mas ela não rendeu muito. A qualidade estava péssima. Decidimos filmar com o nossos celulares. Pedro era muito mais ousado e desenrolado na arte da filmagem. “As aulas de cinema estão funcionando para ele”, pensei e ri comigo mesma. Pela questão de estar chamando a atenção das pessoas, fiquei meio acanhada, mas continuei filmando, tentando pegar ângulos contrários aos de Pedro. A princípio, a ideia era mostrar o ambiente e só depois focar no comportamento das dançarinas, mas elas foram levantando por vez e começaram a dançar. Primeiro, Bianca Machado. Parecia ensaiar algum passo de dança que, talvez, ainda não tenha entendido bem. Ela repetiu por vezes o passo, enquanto Warley demonstrava para ela fazer igual. Anny Miranda, levantou-se e acompanhou a parceira de palco na mesma coreografia. Por último, e me parecia mais retraída, Joyce Gabrielly também se envolveu no ritmo. Penso que aquele momento seja comum, uma espécie de aquecimento pré-shows. As meninas estavam padronizadas, como de costume. Vestiam cropped de manga curta branco, shortinho curto vermelho e tênis preto. Cabelos ao vento, sempre, e uma make “babadeira”. Um look caprichado no conforto e na sensualidade.
Estando satisfeitos com as filmagens que fizemos no Camarote, decidimos descer para fazer algumas filmagens da movimentação do público. Pedro falou novamente com Diego para saber se a gente poderia descer e depois subir novamente, quando necessário. Dito que sim, seguimos. “Amiga, acho que vou deixar minha bolsa aqui”, disse Pedro enquanto encostava a bolsa no espelho da sala. Fiz uma cara de incerteza e opinei: “melhor não”, embora não tivesse nada de valor dentro. Ao desistir de abandonar a bolsa, Pedro e eu, agora sim, seguimos. Descemos as escadas, passamos a porta dupla e começamos as filmagens e as observações. Olhei para o palco e lá estava a primeira atração da festa, o DJ Barka, animando o pessoal. Já satisfeitos com as imagens de apoio, resolvemos voltar ao Camarote para ver o que tinha a mais para ser registrado. Chegando lá, o pessoal da banda parecia estar mais agitado. É que, na verdade, estavam se juntando para uma foto antes do show que, por sinal, estava prestes a começar. Logo após, Tocha, Anny, Bianca e Joyce seguiram em direção ao palco, junto aos demais (seguranças, produtores, produção e coreógrafo). Acompanhamos todos os passos. Antes de entrar em cena, as meninas fizeram alguns alongamentos básicos para aquecer antes de “meter dança”, como se diz no brega-funk. Reparei também que elas carregavam em mãos uma toalha de rosto e garrafa de água. A tranquilidade pairava o rosto delas.
O show
A partir daqui, eu e Pedro nos separamos em meio a multidão. Precisávamos nos dividir no foco, então, ele ficou com as filmagens mais detalhadas e, apesar de também filmar em outros ângulos, o meu foco era a observação. Fiquei de frente para o público, no canto esquerdo, no fundo do palco. Dali eu conseguia ver quase tudo, menos Pedro. Então, o jeito era continuar na função e, caso necessário, me comunicar com ele por Whatsapp.
Ao pegar o microfone, Tocha subiu ao palco cumprimentando a galera, que gritava euforicamente. Assim, começou o show. As bailarinas, em suas posições, dançando empolgadíssimas. Sorriso no rosto, sensualidade nos passos, leveza e agilidade nos movimentos. A platéia cantando, dançando e rebolando até o chão. Quando o brega-funk começa a tocar ninguém fica parado. Cada um ao seu modo, com um único intuito comum: curtir a música. O repertório de músicas, apesar de curto, foi variado, ia das recentes às antigas. Músicas próprias do Tocha e músicas de outros MCs. O importante é agradar e animar a galera.
Entre uns e outros hits, as dançarinas davam uma pausa para beber água, secar um pouco o suor do corpo ou simplesmente descansar. Por sorte, fiquei no lugar mais estratégico, juntinho delas. Em uma das pausas, ouvi bem no momento em que Anny comentou algo com o coreógrafo que estava ao meu lado: “Tem hora que dá um branco das coreografias”, disse enquanto secava o rosto. Pôs a toalha de volta em algum lugar do palco e voltou para a dança. Não sei o que aconteceu para ela ter comentado aquilo, mas certamente deve ser complicado gravar tantos passos de dança. Bianca e Joyce acompanharam. E tome dança. Em um outro momento de descanso das meninas, uma fã chegou na lateral esquerda do palco, bem ao meu lado, e chamou Bianca. Então, a dançarina se deslocou até a garota. Abraçaram-se e tiraram selfies. Ouvi quando a garota disse “Eu te admiro muito” e, em resposta, Bianca sorriu, aparentando satisfação em ouvir o comentário, agradeceu e voltou para seu posto. E tome dança.
Antes da última música, Tocha se despediu agradecendo a presença de todos. “Direita esquerda” foi o último hit cantado pelo MC, deixando a galera com um gostinho de quero mais. No final, toda a banda seguiu para fora do Lounge Music, rumo a próxima apresentação, em outro local. No caminho para a van, a equipe do MC Tocha cumprimentava o pessoal da próxima atração, que já se preparava para subir ao palco. Só então encontrei Pedro, que parecia estar satisfeito com o que havia coletado de material. Todo animadinho. Aproveitamos para cumprimentar o pessoal e agradecer a Diego pela força que nos deu.
Reflexão pós-baile
Entre tantos impasses que surgiram nessa noite de sexta-feira, no final, deu tudo certo. Pude experienciar o brega-funk em duas perspectivas, como amante do gênero (afeto) e como estudante de jornalismo (crítica). As músicas conhecidas chegava a arrepiar, despertavam o desejo de descer até o chão. Contive meus desejos. Afinal, a missão era trabalhar se divertindo, não o contrário. Depois desse show, fiquei me questionando o porquê do brega-funk ainda sofrer tanto preconceito na sociedade. É um gênero que carrega uma identidade tão legítima do que somos. Tem uma história cultural grandiosa, que tem origem do brega recifense e do funk carioca.
Por fim, o brega-funk é toda essa energia boa, que empodera e dar prazer, que une pessoas de classes, vivências e estilos diferentes. É o que contagia dos pés a cabeça. Que traz lembranças marcantes e também nos permite viver e construir novas memórias.