CORPO DE BAILE
O CENÁRIO
Desde que se legitimou em Pernambuco, por volta dos anos 2000, o brega carrega a marca da dança como algo fundamental no ritmo. Raramente, uma banda se formava sem a presença de casais de dançarinos. Ao longo do tempo, o gênero musical ganhou outras vertentes - como o batidão romântico, o brega-melody e o brega-funk - e, consequentemente, a dança teve que se adaptar às transformações causadas pelas novas produções das comunidades. Alguns passos mais rápidos, outros lentos, mas o que naquela época funcionava como complemento, agora, tornou-se essencial.
As coreografias da época se assemelhavam muito ao que conhecemos hoje como forró estilizado. Nos passos básicos de um dançarino era clássico observar os rapazes girarem, pelo menos uma vez, as mulheres e as jogarem para cima e para baixo, conduzindo a num ritmo envolvente, delicado e, porque não, sedutor. Era como se o homem tivesse que conquistar a mulher através de sua coordenação. A agilidade dos movimentos dependia do ritmo da música. O figurino do balé, produzido especialmente para as apresentações, eram roupas leves e extravagantes.
Apesar do brega produzido pela geração de Reginaldo Rossi e Michelle Melo - consagrados rei e rainha do ritmo, respectivamente - estar muito vivo no Estado, as variações deste estilo musical, mesmo resistindo aos mais variados tipos de preconceito - principalmente do Governo -, foram bem acolhidas pela periferia, local onde nasceu e exportou o ritmo. Em meados de 2008, o brega-funk surgiu como um movimento que mudaria um pouco o cenário do brega no Recife e ampliaria as oportunidades dos que desejam fazer da música sua profissão.
Os MCs, influenciados pelo funk carioca, foram surgindo em suas carrocinhas de CDs mesmo para divulgarem suas produções . Depois, nos bailes, assim como no Rio de Janeiro. Tudo era fruto de uma brincadeira que, no fundo, abria as portas da esperança para a realização de um sonho. Com a consolidação daquilo que era utopia, o brega-funk foi ganhando corpo e, ainda em seus primeiros passos, passou a formar bandas. Inicialmente, era comum as duplas: MC Tocha e Dadá Boladão; Afala e Case; Shevchenko e Elloco; Metal e Cego Abusado.
Hoje, grande maioria optou pela carreira solo, a exemplo do MC Tocha - morador do Bairro de Jardim Piedade, em Jaboatão dos Guararapes - que em 2016, decidiu seguir carreira solo, estruturando sua própria banda. Atualmente, ele, assim como tantos outros artistas do meio, contam com uma equipe formada por empresário, produtores, seguranças e dançarinas.
A Mulher
Mesmo com as novas formações, a mulher nunca deixou de ser a grande estrela do ritmo. No entanto, apesar de o ritmo pregar o amor quase inalcançado ou impossível, de exaltar e tornar a figura feminina como principal tema de suas composições, a indústria musical que dita o brega-funk parece abrir pouco espaço para o gênero feminino se consolidar em cima dos palcos. Após realizarmos um levantamento das músicas mais tocadas do ritmo, constatamos que os 17 MCs mais hitados de 2018 são todos homens. Nenhuma mulher.
“Tem algumas meninas do brega-funk estão tentando chegar [na mídia], mas acho que nunca abrem muito espaço pras elas. E, quando tentam é como sofressem um tipo de rejeição. Não consigo entender o porquê disso, mas elas não dão muito certo. Queria muito que desse, porque ia ser maravilhoso ter o palco cheio de mulheres cantando e a gente dançando de igual pra igual”, comentou uma das dançarinas do MC Tróia, um dos artistas do ritmo, Vitória Kelly.
Apesar de estabelecer um cenário pouco promissor com as adaptações do brega, as mulheres encontraram na dança o caminho ideal para subir no palco e, assim, protagonizar não apenas sua história, mas também as cenas do brega-funk. Agora, com a reestruturação do estilo, a oportunidade associada ao talento passou a concretizar sonhos. Como nas demais esferas da sociedade, a mulher, através da luta frente a conquista de seu espaço, está ganhando seu território também no brega-funk. Ainda levando em consideração o levantamento que realizamos sobre o cenário do brega-funk no Recife, através do contato com as produções e redes sociais dos MCs, constatamos que se todas as bailarinas (os) dos 17 artistas mais “estourados” deste ano que foram listados fossem reunidas, seria possível observar que das 34 pessoas que compõem a categoria, 14 são mulheres e 20, homens (Observe a relação abaixo). Em números percentuais, 41,2% do total são dançarinas contra 58,8% de bailarinos.
Os números não chegam a serem discrepantes, mas ainda há um enorme trabalho para que esta diferença diminua e este projeto tem justamente a finalidade de somar forças às lutas femininas dentro do brega-funk. A linguagem corporal, falada todos os finais de semana durante as apresentações no baile, nem sempre são suficientes. Elas também sentem o desejo do verbal, mas, muitas vezes, são silenciadas. Ouvir, sem dúvidas, pode ser considerada a palavra-chave de todas as produções que serão encontradas nas próximas páginas. É possível ser pobre, da periferia, moradora da favela - como elas próprias denominam - e conseguir destaque. O brega-funk realiza sonhos e tentamos retratar isso da melhor maneira possível abordando o medo, os anseios, a vontade, a fama, os abusos, a exploração, a felicidade, o apoio, a experiência e, principalmente, a realização de histórias.
Dar espaço para entrar no ambiente delas foi muito mais agregador do que esperávamos. Ao contrário da imagem preconceituosa que é nos é imposta, de que a periferia é pobre, as dançarinas e protagonistas das próximas produções Vitória Kelly, Vanessa Santos, Anna Lima e Anny Miranda provaram que o brega-funk vai muito além das questões artísticas e a proposta deste projeto é mergulhar o leitor nos detalhes encontrados neste ambiente, inquietando-o para uma análise mais crítica e consciente desse cenário musical.